Rio - A vista de quem passa pela Avenida Venceslau Brás, em Botafogo, já não tem um elemento que ficou guardado na memória dos cariocas. O Canecão, icônica casa de espetáculos que funcionou por mais de 40 anos, entrou na fase final de demolição. Na paisagem, sobraram apenas resquícios de uma parede e estruturas metálicas. Para quem guarda a saudade do palco histórico, a inauguração de um novo complexo multicultural no terreno está prevista para 2026. fotogaleria Em 2023, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dona do espaço, promoveu um leilão para selecionar uma nova concessão. O vencedor foi Bônus Klefer, constituído pelas empresas Bônus Track e Klefer Produções, que desembolsou R$ 4,35 milhões e ficará responsável pelo terreno por um período de 30 anos. Com todas as licenças aprovadas para a demolição, o consórcio informou que essa etapa está "quase 100% concluída" e as obras para a construção do novo imóvel começarão logo em seguida. "O renascimento do Canecão será um marco na cena cultural brasileira, oferecendo uma infraestrutura de classe mundial para artistas e espectadores desfrutarem de performances inesquecíveis. Nós vamos escrever juntos as próximas décadas da história da cultura popular brasileira. Estamos entusiasmados em compartilhar cada etapa do processo deste projeto grandioso. O Canecão promete ser mais do que uma simples renovação - é uma celebração da cultura e da história da cidade, tornando-se um polo cultural de referência não apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o país. Com uma arquitetura moderna e inovadora, o projeto tem o objetivo de preservar sua rica história enquanto reconstrói o espaço, para atender às expectativas do público contemporâneo", disse Andre Torós, CEO da Bonus Klefer. Iramar Francisca Sales, de 75 anos, disse aoDIAque sente falta do Canecão, estabelecimento que começou a frequentar quando tinha 29 anos. A feirante ainda expressou o desejo de visitar o novo espaço cultural assim que ele for aberto. "Sinto muita falta, porque era muito animado. Demoliram e não tem mais nada, acabou a animação. Com a reabertura, vamos ter mais movimento por aqui. Depois que fecharam, passou a ter mais assalto, não tinha isso. Na época do Canecão, tinha shows todo fim de semana, era muito movimentado. Lembro de ver o Cauby Peixoto e, quando não tinha dinheiro para ingresso, vinha para a porta do Canecão para tentar encontrar alguns artistas. Quando reabrir, vou voltar a frequentar. Faz muita falta, aqui não tem nada. No máximo a mureta da Urca, mas não é igual ao Canecão", lamentou. Assinado pelo arquiteto João Niemeyer, o complexo multicultural terá oito diferentes unidades de entretenimento distribuídas em cinco pavimentos, totalizando 20 mil m² de área construída. "O novo prédio vai proporcionar ao público um complexo multicultural com diversas atividades simultâneas e, inspirado no passado, desenvolvemos um design que evoca memórias afetivas nos antigos frequentadores e que desperte também a curiosidade e o encanto dos novos visitantes. Esse é um empreendimento pensado para funcionarfull time, acolhendo pessoas para um café logo cedo até a noite, para shows e apresentações. Isso se reflete nas suas áreas externas que convidam para o lazer, o encontro e o descanso em contraponto com a atmosfera vibrante do interior do prédio, cheia de história, de música e de arte como deve ser um complexo cultural multiuso como esse", afirmou Niemeyer. Conforme acordado com a UFRJ, o consórcio construirá um Centro Acadêmico com 80 salas de aula (com capacidade para 4.170 estudantes) no campus Praia Vermelha, além de um restaurante universitário com capacidade para até 2.500 refeições ao dia. A instituição também terá datas para uso nos espaços do Complexo Cultural Canecão, além de benefícios acadêmicos para os estudantes. O valor total investido é de R$ 137,7 milhões em todo o projeto, sendo R$ 53,7 milhões nas instalações acadêmicas e R$ 84 milhões na parte cultural. Espaços que integrarão o novo complexo -Grande Sala de Espetáculos: com aproximadamente 3.300 m² e capacidade para até 6 mil pessoas, distribuída em três pavimentos. Espaço onde serão realizados os shows, concertos, peças e apresentações gerais. O projeto acústico e de iluminação de palco será assinado pelo consultor José Augusto Nepomuceno; -Espaço Multiuso: com aproximadamente 500 m², voltado para a realização depocketshows e eventos sociais e corporativos. Ambiente que irá abrigar o famoso mural do artista e cartunista Ziraldo, que será restaurado pela equipe da UFRJ; -Espaço de Exposições: área de aproximadamente 500 m² para mostras artísticas visuais; -Microteatro: inovador ambiente de aproximadamente 1.000m² voltado para experiências cênico-gastronômicas; -Estúdio Audiovisual: espaço destinado à criação de produtos musicais, captação de vídeos, entrevistas, podcasts e estrutura para apoiar novos talentos da música e das artes; -Museu da Música: espaço com ações imersivas dedicado ao resgate de experiências e histórias do Canecão e da música mundial, com curadoria especial e acervo exclusivo. São aproximadamente 1.000 m² de espaço, 350 sessões por ano e público estimado de 100 mil pessoas por ano; -Bosque: área verde descoberta de aproximadamente 3.500 m² para feiras e eventos ao ar livre. Espaço gratuito, terá funcionamento independente das demais atividades; -Lounge Canecão: Um espaço exclusivo com aproximadamente 300 m² para os patrocinadores se encontrarem com convidados e parceiros nos dias de evento na Grande Sala. Palco histórico O Canecão foi inaugurado em junho de 1967, como uma cervejaria, pelo empresário Mário Priolli. A mudança para casa de espetáculos aconteceu dois anos depois, com o show da cantora Maysa, dirigido por Bibi Ferreira. De lá pra cá, estabeleceu-se uma briga judicial de quase 40 anos entre o empresário e a UFRJ, que recebeu o terrenos da União nos anos 1960 e alegava o não pagamento do aluguel por parte de Priolli. Pelos palcos do Canecão, já passaram artistas nacionais e internacionais como Tom Jobim, Toquinho, Vinícius de Moraes, Elza Soares e Cauby Peixoto. Uma das grandes histórias envolve o cantor Elymar Santos, que vendeu seu apartamento e carro para conseguir alugar o espaço e se apresentar em 1985. Além disso, grandes nomes do rock nacional nos anos de 1980 fizeram shows memoráveis, como Paralamas do Sucesso, Engenheiros do Hawaii e Barão Vermelho. Em 2010, a tradicional casa de shows fechou e a UFRJ conseguiu a reintegração de posse do espaço. O Canecão chegou a ser cedido ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas, sem recursos para promover sua reforma, acabou retornando para a UFRJ.