A Negação das Facções Criminosas no Brasil: Política, Poder e Guerra Informacional

Publicado em 07/04/2025 02:28

Por décadas, governos estaduais e o governo federal no Brasil evitaram reconhecer oficialmente a existência de organizações criminosas como o Comando Vermelho (CV), o Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras facções. Essa postura não foi um mero descuido, mas sim uma estratégia política que serviu a múltiplos interesses: desde a manutenção de currais eleitorais em áreas dominadas pelo tráfico até a proteção de grupos políticos beneficiados por essa dinâmica. Apenas nos últimos anos, com a ascensão da guerra informacional e a exposição das conexões entre crime organizado e política, essa realidade começou a ser confrontada de forma mais direta. A Negação das Facções como Estratégia Política 1. A Falácia da "Criminalidade Desorganizada" Por muito tempo, autoridades brasileiras trataram o crime organizado como uma questão de "violência urbana" ou "marginalidade", evitando admitir que facções criminosas operavam como estruturas de poder paralelas. Essa negação teve dois objetivos principais: Deslegitimar as Organizações Criminosas: Ao não reconhecê-las como entidades estruturadas, o Estado evitava conceder-lhes status de "ator político", impedindo negociações diretas e mantendo a narrativa de que eram apenas grupos de delinquentes sem controle territorial. Proteger Interesses Políticos: Muitos políticos dependiam de áreas dominadas pelo tráfico para garantir votos, seja por meio de cooptação ou intimidação. Reconhecer o poder das facções significaria admitir que o Estado não tinha pleno controle sobre partes do território nacional. 2. Favelas como Currais Eleitorais Em diversas regiões do Brasil, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, facções criminosas controlam quem entra e sai de suas áreas de influência, incluindo candidatos políticos. Relatos históricos mostram que: Candidatos aliados tinham acesso livre, enquanto opositores eram barrados ou ameaçados. O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), conhecido por seu combate ao crime organizado, foi impedido de fazer campanha em áreas da Zona Oeste do Rio, dominadas por milícias Em 2018, propagandas de Jair Bolsonaro foram proibidas em territórios do Comando Vermelho, que apoiavam adversários políticos. Essa dinâmica revela que o tráfico e as milícias funcionam como máquinas eleitorais informais, decidindo quais políticos podem ou não conquistar votos nessas regiões. A Conexão entre Facções e Grupos Políticos 1. Benefícios Recíprocos Não é novidade que algumas lideranças políticas mantêm relações com o crime organizado. Essas alianças podem se dar por: Troca de Favores: Facções garantem votos para certos políticos, que, uma vez eleitos, enfraquecem operações policiais ou desviam recursos públicos para áreas controladas pelo crime. Proteção e Impunidade: Políticos influentes podem assegurar que investigações não avancem ou que líderes criminosos tenham regimes prisionais privilegiados. 2. O Caso do PCC e Sua Influência Política: O Primeiro Comando da Capital (PCC), por exemplo, já foi acusado de financiar campanhas e até mesmo de negociar com governos. Em 2006, o episódio dos ataques do PCC em São Paulo expôs o poder da facção de paralisar um estado inteiro, levantando suspeitas de que havia negociações entre criminosos e autoridades. 3 - A Guerra Informacional e a Mudança de Narrativa: O Fim da Negação: Com a popularização das redes sociais e o aumento da cobertura midiática sobre o crime organizado, tornou-se impossível sustentar a narrativa de que as facções não existiam. Vídeos de líderes criminosos dando ordens, transmissões ao vivo de invasões. e a exposição de "leis do tráfico" em favelas forçaram o Estado a admitir a realidade. 2. Facções como Atores Políticos Hoje, as facções não apenas controlam territórios, mas também influenciam decisões governamentais: Milícias no Rio têm ligações comprovadas com políticos, policiais e agentes públicos. O Comando Vermelho e o PCC já demonstraram capacidade de articular rebeliões em massa e até mesmo interferir em políticas de segurança pública. A guerra informacional mudou o jogo: as facções agora usam redes sociais para disseminar propaganda, ameaçar adversários e até mesmo declarar apoio ou oposição a governos. O Preço da Negação A estratégia de negar a existência das facções criminosas por tanto tempo permitiu que elas se fortalecessem, infiltrando-se na política e criando redes de poder que desafiam o próprio Estado. Enquanto governos insistiam em uma narrativa de "guerra às drogas" sem reconhecer o inimigo real, as organizações criminosas se tornaram atores políticos de fato, controlando territórios, eleições e até mesmo políticas públicas. A mudança só começou quando a guerra informacional expôs essas relações, mas o desafio agora é combater não apenas o crime, mas também as estruturas políticas que o sustentam. Enquanto houver conivência entre poder público e facções, o Brasil continuará refém dessa guerra não declarada.

Voltar para Artigos