Nas últimas décadas, os conflitos armados ao redor do mundo têm sido cada vez mais protagonizados por atores não estatais, como grupos insurgentes, milícias, organizações terroristas e facções criminosas. No entanto, a maioria dos exércitos nacionais continua a priorizar a preparação para guerras convencionais, envolvendo confrontos entre Estados com forças militares estruturadas. Essa discrepância entre a realidade dos conflitos contemporâneos e o treinamento militar tradicional levanta questões sobre a eficácia das estratégias de defesa atuais. A Natureza dos Conflitos Contemporâneos Desde o fim da Guerra Fria, os conflitos armados têm se caracterizado por: Assimetria: Combates entre forças regulares e grupos irregulares, que utilizam táticas de guerrilha, terrorismo e guerra híbrida. Descentralização: Atores não estatais sem uma cadeia de comando rígida, dificultando a identificação de alvos militares tradicionais. Uso de Tecnologia Acessível: Drones caseiros, ataques cibernéticos e propaganda nas redes sociais como ferramentas de guerra. Ambientes Urbanos: Conflitos em cidades, onde civis e combatentes se misturam, aumentando os desafios operacionais e humanitários. Exemplos recentes incluem as insurgências no Afeganistão e no Iraque, a atuação do Hamas na Palestina, as milícias na África Subsaariana e os cartéis de drogas na América Latina. Apesar da predominância de conflitos irregulares, as forças armadas de muitos países mantêm seu foco em guerras convencionais devido a: Doutrina Militar Tradicional: Muitos exércitos foram moldados por séculos de guerra entre Estados, com estruturas hierárquicas e estratégias baseadas em confrontos diretos. Investimento em Tecnologia de Alto Custo: Países continuam a desenvolver tanques, caças de quinta geração e navios de guerra, mesmo que esses equipamentos tenham utilidade limitada em conflitos assimétricos. Dissuasão Estratégica: A preparação para guerras convencionais serve como forma de dissuasão contra potências rivais, como a OTAN frente à Rússia ou os EUA em relação à China. Complexidade da Guerra Irregular: Combater insurgentes exige não apenas capacidade militar, mas também inteligência, operações psicológicas e coordenação com agências civis – algo que muitas forças armadas não estão totalmente preparadas para executar. Alguns exércitos têm tentado se adaptar, incorporando lições de conflitos recentes: Treinamento em Contrainsurgência (COIN): Como visto nas guerras do Iraque e Afeganistão, onde tropas ocidentais tiveram que aprender a lidar com emboscadas e ataques suicidas. Operações Especiais: Forças como os Navy SEALs (EUA) e o SAS (Reino Unido) ganharam destaque por sua capacidade de atuar em cenários não convencionais. Guerra Híbrida: Combinação de táticas convencionais, cibernéticas e de informação, como observado nos conflitos na Ucrânia. Parcerias com Forças Locais: Treinamento de milícias aliadas, como os peshmergas no Curdistão ou grupos tribais no Sahel. No entanto, essas adaptações muitas vezes são secundárias em relação ao investimento em armamentos pesados e guerra convencional. Enquanto os exércitos se preparam para grandes batalhas entre nações, a realidade mostra que os conflitos do século XXI são cada vez mais dominados por atores não estatais e táticas irregulares. A guerra moderna exige que tanto a polícia quantos os militares estejam prontos para enfrentar exércitos rivais, células terroristas, hackers e milícias urbanas. Ignorar essa dualidade pode levar a estratégias ineficazes e custosas, tanto em termos de recursos quanto de vidas humanas.